Menos populismo, mais democracia

Colunistas Rogério Santos

Quando um discurso é demagógico, sem base na verdade, visando apenas corresponder às expectativas das multidões enquanto promove-se a si mesmo, dizemos que se trata de um discurso populista.

É possível encontrar esse tipo de discurso em muitos pronunciamentos de líderes de movimentos sociais, sindicais e religiosos. Mas é certamente na política o lugar onde mais se evidencia o discurso populista.

A política é o campo das soluções para os problemas da sociedade. O político populista, no entanto, não quer resolver problemas nem enfrentar desgastes. Ele prefere “jogar pra torcida”. Sua retórica é vazia e falaciosa, pois procura apenas agradar as massas carentes. Todo populista apresenta-se como solução única para o povo. Aliás, “povo” é a categoria preferida do populismo, sendo a palavra que mais aparece na boca do populista. Para um populista, “o povo” não passa de uma massa de indivíduos, manipulável, irracional e desorganizada que depende dele para alcançar seus direitos.

Para Aristóteles, a pólis (de onde nasce a palavra política) significa o conjunto de cidadãos, ou seja, conjunto de indivíduos revestidos do poder de deliberar e julgar. No contexto da democracia, o povo é uma comunidade de cidadãos, pessoas que assumem suas responsabilidades e gozam de seus direitos. O ideal grego de cidadania na democracia possuía três regras básicas: a isegoria, a isocracia e a isonomia[1]. As palavras são estranhas, mas seus significados são fundamentais. Vamos a eles.

Isegoria quer dizer igualdade no falar. Na democracia todo cidadão tem direito à opinião, a formular aquilo que lhe parece ser a verdade. A palavra, cujo é direito de todos, não veicula diretamente a verdade, mas a opinião de cada um. A democracia me garante o direito de expressar a opinião, mas me exige também o dever de respeitar a opinião dos demais. No populismo, ao contrário, as pessoas singulares – individualmente – são dissolvidas. O que você pensa não importa, sua opinião desaparece no meio da massa! O populista quer justificar seu discurso a partir da tal “opinião pública”, mas essa é uma ideia falsa que considera todo o povo como se fosse dotado de uma só opinião.

A opinião tem a sua importância no processo democrático, mas ela é apenas o início da ação política, e que só vai ganhar realidade por meio de alguma decisão. A decisão democrática é aquela tomada a partir do voto, não da opinião.

Outra regra da democracia é a isocracia, a igualdade no poder. Diante das divergências de opiniões dos muitos, intervém a contagem de votos, que forma a maioria. Como as pessoas são consideradas iguais politicamente, todos os votos têm o mesmo peso. É somente aqui que podemos falar que “o povo é soberano”. Já para os populistas o povo é uma unanimidade, como se todos os indivíduos possuíssem uma vontade única. As propagandas populistas se servem da falsa ideia de “opinião pública”, criada normalmente para nos fazer acreditar numa unanimidade do povo e induzir ao comportamento dito “politicamente correto”, onde quem pensa ou vota diferente seria preconceituoso, moralista, extremista, conservador, intolerante e opressor dos direitos A B C D etc. Ter uma opinião ou voto diferente significa apenas o direito democrático de uma pessoa ser ela mesma na sociedade.

Por fim, a democracia exige a isonomia, ou seja, a igualdade na lei. Somos todos iguais perante a lei. Aristóteles diz que a pólis é uma pluralidade. Não só a cidade é uma pluralidade de indivíduos, como estes também diferem em espécie; uma cidade não nasce de indivíduos idênticos. A isonomia, portanto, não significa a imposição de uma lei para fazer com que os diferentes se tornem iguais, mas que em meio a multiplicidade de pessoas diversas exista uma lei comum que, fundamentada na verdade e no bem da comunidade, nos permita viver de modo ordenado, tratando os iguais como iguais e os diferentes como diferentes.

Por fim, o povo é um fato institucional necessário e fundamental da democracia, desde que o conjunto dos cidadãos – e cada um em particular – assuma o seu papel com responsabilidade na sociedade.

Não se deixe mais enganar por discursos populistas.

[1] As citações e conceitos aqui são apresentados estão baseados na obra Teoria Política, de Luis Fernando Barzotto. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2018.

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