Por: Gaby Morais
Em cada campanha política, ressoa o clamor por igualdade e representatividade. A cada eleição, a esperança de quebrar o silêncio secular das minorias ganha cor. Contudo, ao desfolhar as páginas estatísticas das eleições municipais de 2020, deparei-me com uma dualidade alarmante: enquanto 30 municípios brasileiros elegeram a primeira mulher vereadora em duas décadas, outros 21 ainda sustentam um vácuo feminino desde a virada do século.
A perplexidade diante do fato de que as mulheres, majoritárias na esfera social, permanecem minoritárias na política é indiscutível. Ainda assim, um raio de progresso se faz presente: se em 2000, 51 municípios não contavam com nenhuma vereadora, hoje esse número caiu 58,82%. Mas, não nos enganemos, a sub-representação feminina ainda ecoa nas paredes de 846 câmaras municipais exclusivamente masculinas, um decréscimo frente aos 2.072 de 2008, porém, ainda distante do ideal.
A questão se aprofunda ao observarmos o aumento expressivo no número de candidatas, que mais do que dobrou em 20 anos, saltando de 70,4 mil para 180 mil. Paralelamente, a fiscalização acerca da cota de gênero intensificou-se, com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) adotando medidas punitivas contra partidos que camuflam candidaturas fictícias, mas ainda há muito por fazer.
A legislação eleitoral brasileira, com seus 26 anos de cota de gênero, prescreve que cada partido ou coligação deve lançar entre 30% e 70% de candidaturas de cada sexo. Uma norma que, apesar de obrigatória desde 2009, ainda caminha a passos lentos rumo à efetivação da equidade.
Com a proximidade das eleições municipais de 2024, a estratégia dos partidos se desenha e, com ela, a caça por candidatas que preencham o requisito legal, mas não necessariamente as urnas. Convidadas a serem meramente figurantes, muitas mulheres são enquadradas na dolorosa categoria de “laranjas”, arriscando-se a inúmeras consequências jurídicas e pessoais.
Este convite, muitas vezes, brota de laços de confiança e amor – o marido, o filho, o irmão – tornando o convite ainda mais insidioso. É uma faca de dois gumes, onde o desejo de oportunidade se confunde com a manipulação de expectativas.
Por isso, elevo minha voz neste desabafo: mulheres, não sejamos meros números para compor estatísticas. Não aceitemos ser peões num tabuleiro onde não nos é permitido ser reis. A política precisa de nós, dos nossos passos firmes e da nossa voz ativa. Não como laranjas, mas como líderes autênticas que somos, capazes de representar e transformar nossa sociedade.
Como estrategista, que há quase duas décadas transita pelos corredores da estratégia política, testemunhei o turbilhão de desafios e o crescimento lento, porém resiliente, da presença feminina em nosso cenário eleitoral. Com a experiência gravada em cada negociação e cada campanha, meu anseio por ver mais mulheres em posições de poder real não apenas persiste, mas arde com fervor. Nós, mulheres, não devemos apenas aspirar a cargos eletivos; devemos almejar o comando de partidos, a liderança em negociações de coalizão e, sobretudo, a presença constante na mesa onde as decisões são tomadas.
A verdadeira mudança ocorrerá quando a paridade de gênero se refletir não só em números, mas na qualidade e profundidade da nossa participação. Que este artigo seja, portanto, mais do que a expressão de palavras; seja um clarão no horizonte, um sinal de que estamos nos erguendo para ocupar os espaços políticos com a legitimidade e a tenacidade que nos são devidas, seja um chamado ao reconhecimento do nosso valor.
Que a nossa luta de hoje ecoe nas câmaras legislativas, nos gabinetes executivos e nos conselhos de partido, não como um murmúrio, mas como um hino de vitória. Que possamos ocupar espaços políticos com a legitimidade e o respeito que merecemos. Por um futuro em que os números desse desabafo sejam apenas ecos de um passado superado.