Desindustrialização e vazios urbanos em Osasco

Capa Colunistas Vitor Meira França

Lembro que na minha infância, nos anos 1980, o caminho de ônibus do terminal da Vila Yara pela Avenida dos Autonomistas até o centro, e de lá para o Km 18, bairro onde vivia, era marcado pela presença de muitas indústrias. Asea Brown Boveri, Santista Têxtil, Eternit, Cobrasma, Braseixos, White Martins, Cimaf, Osram…

Por causa do aumento dos custos na região metropolitana de São Paulo, indústrias da cidade migraram para o interior ou para outros estados. Na década de 1990, a abertura comercial, somada a fatores como valorização cambial, juros altos e, principalmente, concorrência asiática, resultaram em um processo de desindustrialização que afetou não apenas Osasco, mas todo o país.

Pouco a pouco, antigos terrenos industriais de Osasco foram dando lugar a grandes lojas de varejo, concessionárias de automóveis, hipermercados, shoppings centers e condomínios residenciais. Muitos daqueles terrenos ainda seguem desocupados, como o da Hervy, a primeira indústria da cidade, que mencionei no meu primeiro artigo aqui no Correio Paulista.

Apesar da mudança de vocação de Osasco, de polo industrial para polo de comércio e serviços, ao menos em termos urbanos muito da lógica industrial (anticidade, que privilegia a produção e não as relações humanas) se manteve na reocupação daquele corredor que mencionei no início do artigo. Podemos dizer, na verdade, que a lógica industrial foi apenas substituída por outro modelo anticidade, com predomínio de condomínios, shoppings centers e grandes lojas com enormes estacionamentos, que privilegiam os carros e não as pessoas.

Fui me dar conta disso num dia que resolvi caminhar com uns amigos do Paço Municipal até a Avenida Franz Voegeli, passando pelas avenidas Aurora Soares Barbosa, Domingos Odália Filho e Hilário Pereira de Souza.

No lugar da antiga fábrica de Eternit, no cruzamento da Avenida Domingos Odália Filho com a Avenida dos Autonomistas, por exemplo, foi aberta em 1995 uma loja do hipermercado Walmart, com um enorme estacionamento para carros.

Ao longo dos anos, além do hipermercado (hoje um Carrefour, vizinho, por sinal, de outro Carrefour, inaugurado também em 1995, no lugar onde era a fábrica da Santista), o complexo ganhou novas redes de varejo e um shopping center, mas manteve, de certa forma, suas características originais: um lugar nada amistoso para as pessoas, sem vida nas calçadas, com sérios problemas de caminhabilidade e sem qualquer preocupação com seu impacto no entorno. Trata-se de um espaço para se chegar de carro, e não a pé, apesar da proximidade em relação aos principais corredores de transporte público da cidade.

Vista aérea do Walmart e do Carrefour, que chegaram à cidade em 1995. Fonte: Hagop Garagem

A Avenida Hilário Pereira de Souza, antiga Super Avenida, inaugurada em 2007, ganhou ao longo dos anos grandes condomínios residenciais e comerciais. Tratam-se, contudo, em sua grande maioria, de prédios recuados, murados, que nada contribuem para a vitalidade urbana, criando verdadeiros desertos nas calçadas. Os acessos à rede atacadista e ao shopping na mesma avenida também não são nada convidativos para quem chega ali a pé. Afinal, também são espaços desenhados para os carros, ainda que relativamente próximos dos corredores de transporte público.

O mesmo pode ser dito da Avenida Franz Voegeli, que ganhou muitos condomínios nas últimas décadas, também possui uma entrada para o shopping e, ainda assim, é bem carente de gente na rua e vida nas calçadas. Empresas, lojas e shoppings que se instalaram por ali, em particular no trecho da Avenida dos Autonomistas entre o Terminal da Vila Yara e a Ponte Metálica, mantiveram as características anticidade das antigas indústrias.

E, não custa lembrar, que é exatamente o movimento de pessoas nas ruas, os comércios no térreo dos prédios e a vida nas calçadas – muito mais do que os seus famosos pontos turísticos – que tornam cidades como Nova York, Tóquio, Paris ou Buenos Aires tão interessantes, dinâmicas e agradáveis.

Vista da calçada da Avenida Hilário Pereira de Souza: apesar de relativamente nova, com calçadas largas e arborizadas, avenida tem poucos atrativos para quem caminha por ali. Fonte: Google Street View

Vale recordar que não é à toa que grande parte da antiga área industrial de Osasco se localizava nos arredores da linha do trem. Basta lembrarmos da história da cidade: Antônio Agú construiu uma estação ferroviária na Estrada de Ferro Sorocabana, batizada de Estação Osasco, para expandir a comercialização da produção da primeira indústria da cidade.

O desafio das cidades contemporâneas, baseadas em serviços, contudo, não é mais o escoamento da produção. Entre seus principais objetivos estão ser sustentáveis e, ao mesmo tempo, proporcionar qualidade de vida a seus cidadãos, com menores custos relacionados a lazer, mobilidade, infraestrutura e meio ambiente.

Grandes terrenos vazios ou mal aproveitados – apenas com estacionamentos, por exemplo – representam, portanto, um custo de oportunidade enorme para as cidades contemporâneas, especialmente quando localizados nos arredores dos eixos de transporte público de massa. Afinal, no lugar dos vazios urbanos poderíamos ter moradias, escritórios, comércio nos térreos e vida nas ruas.

Mais pessoas fazendo as atividades do dia a dia a pé ou utilizando o transporte público, por sua vez, significaria menores congestionamentos e menos emissões de gás carbônico. Condomínios fechados com muros elevados, por fim, são grandes oportunidades desperdiçadas de se criar espaços democráticos, vibrantes e interessantes para as pessoas.

Talvez ingenuamente, mas ainda acredito que seja possível criar por aqui bairros ou cidades tão interessantes e agradáveis quanto as que vemos em outros países. Para isto, é claro, muitas medidas teriam que ser adotadas, entre as quais a liberação de construções em grandes estacionamentos de shoppings e supermercados na região central, o incentivo para implantação de fachadas ativas com pequenas lojas e praças abertas ao público em condomínios residenciais e empresariais, a construção de prédios de uso misto e o adensamento populacional na região central e nos arredores das demais estações de trem da cidade. Enfim, medidas que privilegiem a mobilidade ativa, o uso do transporte público e a ocupação dos espaços pelas pessoas – e não mais pelos carros.

15 thoughts on “Desindustrialização e vazios urbanos em Osasco

  1. Interessante o artigo. Vale lembrar que em São Paulo, com a mudança do plano diretor que o Haddad propôs, tem-se incentivado a construção de edifícios com fachada ativa. Está mais do que na hora de construtoras que estão verticalizando Osasco, como a Dubai, Ekko e outras, seguirem o mesmo exemplo. Poderia começar com uma revisão de verdade do plano diretor de Osasco, mas essa discussão está travada há anos, e o Rogério Lins abriu as perninhas para construtoras sem qualquer concessão. Além de tudo, a cidade está se verticalizando sem infraestrutura de transporte público (e, na verdade, tampouco para transporte privado).

  2. Que excelente contribuição e reflexão nessaa décadas, para quem mora, paga os impostos e se preocupa com a cidade de Osasco versus o servir para a população da cidade.

  3. Cresci em OSASCO nas décadas de 80 e 90, a cidade sempre foi feia, mas agora, além de mais feia, está abandonada e com muita, muita gente feia e pobre. E o prefeito -inexplicavelmente eleito por 2 vezes- preocupado em show de luz e hot dog gigante.

    1. Que é isso de “gente feia”? Feio é seu preconceito, sua visão de mundo; seus olhos que não sabem ver beleza nos seres, inclusive no ser humano. Pensamento pequeno e aviltante. Por acaso você é um semi-deus? É cada coisa…

  4. Parabéns pelo lindo e saudoso artigo.
    Mas vc esqueceu de mencionar a Lonaflex, hj no local é o Pátio shopping,e da fábrica de fósforo Granada,vizinha da Osram.

  5. A Rua da Estação é uma das ruas mais antigas de
    OSASCO e deveria ser urbanizada,pois atualmente é visto grandes amontoados de lixo e comércio de sucatas ,sem contar as cabanas de cracudos.
    Dá pena só em pensar nos moradores dos condomínios dos prédios no terreno da antiga Cobrasma, pois andar a pé na Rua da Estação a noite
    E aventura para poucos.
    Por enquanto é só isso .

  6. O arrigo é muito apropriado ao momento que Osasco vive. Totalmente sem condições de traficabilidade devido ser uma cidade fundada por italianos, com ruas estreitas e com crescimento sem planejamento urbanístico algum. Mas como podemos ter uma cidade boa conforme o comentário da reportagem se elegemos um prefeito que já foi empossado preso e durante os dois mandatos só fez perfumarias e maquiagens na cidade? Um exemplo foi recente, onde o estado junto com a CCR estão entregando um viaduto de acesso da Castelo Branco à cidade e a avenida de entrada da cidade não comporta o trâsito atual e de última hora o departamento de obras percebeu o problema e fez um paleativo de última hora. Dá para ver que eles fizeram apenas para amenizar e não pensando no presente e futuro crescimento da cidade. Temos que aprender a colocar pessoas mais capacitadas para nos governar, como o nosso governador Tarcísio de Freitas, que independentemente se partido, tem feito acontecer em nosso estado. Temos que colocar pessoas que trabalhem e não façam política. Brasil, rstá na hora de acordarmos para o futuro dos nossos filhos, netos e bisnetos!!!!

  7. Muito reflexivo o texto, a tecnologia avança e o homem ficando a mercê de tudo isto, não há espaço para respirar, tudo em volta são arranha céus e grandes comércios, a vida simples de caminhar e apreciar a natureza está ficando para traz. O trânsito cada vez mais caótico.

  8. Os nossos olhos buscam o belo para contemplar, confesso que as estruturas verticais são um tanto sufocante e sem “graça”. O moderno, está perdendo a beleza. A beleza é capaz de mudar o nosso estado de espírito, por isso, DEUS fez a natureza bela

  9. Os nossos olhos buscam o belo para contemplar, confesso que as estruturas verticais são um tanto sufocante e sem “graça”. O moderno, está perdendo a beleza. A beleza é capaz de mudar o nosso estado de espírito, por isso, DEUS fez a natureza bela

  10. Verdade fica só a lembrança de uma Osasco mais acolhedora, onde muitos trabalhavam e constitiam suas famílias. Não me esqueço do relógio do Irka quando passava na autonomistas para trabalhar sempre olhava a hora pois os celulares ainda eram pouco usados

  11. O pior de tudo é que as cidades acham que só pode se viver de comércios e serviços, tem que haver uma industria forte para geração de empregos. Aqui em Cotia só se constrói condomínios, está virando uma cidade dormitório pois não tem empregos decentes, só pagam o salário mínimo e se você quer trabalhar em algo melhor tem que se deslocar para SP perdendo horas e horas no trajeto de ida e volta.

  12. Achei o texto ruim, pois preconceituoso (mensagem subliminar) e fora da realidade. A grande verdade é que as empresas deixaram Osasco devido a poluição que geravam. Foram décadas despejando poluição no pobre Tietê. Ainda bem que temos comércio e serviço para garantir empregos e renda. A cidadela da década de 1970 não existe mais aqui e em nenhum outro lugar.

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