Eu e minha bengala

Destaque Geral

Por: Bia Santana

Semana passada recebi a triste notícia do falecimento de uma pessoa mais que especial, minha querida Carol Cannavazzi, que me iniciou orientação e mobilidade no Brasil. Ela mudou para Australia, continuou trabalhando com deficientes visuais com o uso da bengala, desenvolvimento de aplicativos e cães-guias.
O câncer levou ela, mas suas atitudes deixaram grandes marcas em mim. Vamos falar sobre eu e minha bengala hoje.

Para toda pessoa que perde a visão, a bengala é um enorme e difícil passo, é como você identifica de maneira imediata uma pessoa cega!

A bengala! Esse é um grande marco para aceitação da nova situação em nossa vida.

Não queria utilizar, tinha vergonha, não queria aquela coisa branca junto comigo o tempo todo…

Cheguei na fundação Dorina em São Paulo, na sala da Carol, que me recebeu com todo amor e carinho me falando que tudo que eu não poderia fazer era dirigir e atravessar grandes avenidas sozinha.

Pensei: Louca! Só pode!

Mas para isso eu precisaria andar sozinha, colocou uma bengala na minha mão, já que eu não tinha e não queria nenhuma, arrastou todas as mesas de sua sala e me apresentou a tal da bengala. Altura correta, técnicas para as passadas corretas, maneira ideal de pegar para ela bater nos obstáculos antes de mim, como fechar, como abrir e muito mais.

Nunca nem passou pela minha cabeça que para uma pessoa cega andar sozinha com a bengala precisava fazer aula.

  • Vamos lá fora treinar? Disse Carol.
  • Não! Tenho vergonha, as pessoas vão rir, ou me chamar de coitada!
  • Bia! Aqui só tem cegos! Vamos lá fora.

Nada feito, conversamos sobre a sociedade e suas palavras que não ajudam: ‘Tadinha! Ela enxergava, ficou cega e é tão bonita!’,
‘Nossa! Como pode? Andando sozinha na rua, que família descuidada!’. Entre milhares de frases que só me faziam querer correr para dentro de casa e chorar, porque havia me tornado uma pessoa incapaz e coitada.

Carol disse: – Quando ouvir isso, respire, tenha paciência e responda que está vivendo, saindo e construindo sua história e não tem lógica nenhuma as pessoas dizerem isso. Dizem por que não conhecem sobre o assunto e muitas vezes nem pensam antes de falar que vai machucar ao invés de ajudar.

Caros leitores, ajuda aquele que fica em silêncio, se não for para dizer algo que motive nesse momento.

Nós nos tornamos grandes parceiras após um longo período de recusa minha em aceitar esse casamento entre eu e minha bengala. Não uso a branca, mas mando pintar de vermelho Ferrari ou preto Cadilac por serem cores que eu gosto, apesar do padrão ser branca para cego total, verde para baixa visão e branca e vermelha para cego e surdo.

Passamos por uns bocados, mas ela me alerta sempre que dá: degraus, buracos, sacos de lixo, carros e motos na calçada, caminhões e orelhões. Já as lixeiras suspensas e árvores baixas, ela ainda não consegue pela altura, geralmente ela se salva, mas eu vou com a cara no obstáculo alto e parado.

Mas ela se dá mal quando os apressados passam correndo e atropelam ou chutam a coitada, a transformando praticamente em um arco-e-flexa, a deixando bem torta e amassada.

Ela não se importa em ficar no chão, até porque sua ponta passa no chão o dia todo por sujeiras. Quando alguém a pega dobrada do chão e a coloca no móvel ou na mesa… ECA… ECA!

A cada rua, esquina, buraco, escada estamos juntas, assim como sempre estarei com você no coração, querida Carol.

A bengala é um objeto acessível que nos dá a oportunidade de chegar onde quisermos e com recursos acessíveis, temos oportunidades e mais uma vez a coisa se torna possível.

Até a próxima pessoal.

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