Por Vitor Meira França
Depois de muitos anos vivendo e trabalhando na capital, uma das coisas que mais me chamou atenção no retorno a Osasco foi a grande quantidade de prédios tomando conta da paisagem urbana.
A Osasco em que cresci nas décadas de 1980 e 1990 era uma cidade relativamente pacata, onde predominavam as casas térreas ou assobradadas. Eu mesmo vivi com meus pais em um sobrado no Km 18, em uma rua até então pouco movimentada na qual costumávamos jogar futebol e andar de carrinho de rolimã.
Em 2019, segundo dados cadastrais do IPTU, o número de unidades residenciais em condomínios superou pela primeira vez o total de sobrados residenciais. Mantida a tendência dos últimos anos, a expectativa é que até 2030 a quantidade de residências em prédios supere a de casas (térreas e assobradadas) cadastradas na cidade. (*)
Ao mesmo tempo em que se verticaliza, o preço médio dos imóveis em Osasco cresce mais do que em outras cidades da Grande São Paulo como Diadema, São Caetano do Sul, Santo André, Guarulhos, São Paulo e São Bernardo do Campo, conforme mostra pesquisa da DataZap. Enquanto na capital, por exemplo, o preço médio subiu 17,5% em 48 meses até julho de 2023, em Osasco a alta foi de 29,0%.
Estariam por trás do aumento dos preços dos imóveis em Osasco o rápido processo de verticalização e a famigerada “especulação imobiliária”?
Ao contrário do que muitos costumam dizer, “especulação imobiliária” nada tem a ver com a construção de edifícios no lugar de antigas casas. Levantar prédios, por sinal, é exatamente o oposto de “especular”: os novos imóveis, afinal, representam investimentos em novas unidades habitacionais e maior oferta de moradia.
“Especular” com imóveis, na verdade, é manter terrenos, casas e prédios ociosos, sem moradores – deixando, portanto, de cumprir a função social da propriedade prevista na Constituição –, na expectativa de uma valorização futura. Apesar do processo de rápida verticalização em curso, Osasco ainda conta com áreas ociosas, particularmente na região central, onde há imóveis vazios e terrenos industriais que não foram devidamente reocupados.
Segundo o IBGE, a população de Osasco passou de 652,6 mil em 2000 para 728,6 mil em 2022. Na última década, em particular, conforme também destaquei na minha coluna anterior, a população de Osasco cresceu relativamente mais do que a média da Região Metropolitana.
Explicam esse aumento populacional, entre outros fatores, o crescimento econômico da cidade nos últimos anos – entre 2002 e 2021, Osasco passou da 16ª para a 7ª economia mais rica do país –, a chegada de novas empresas e o alto custo de vida em São Paulo. Com uma localização privilegiada, com fácil acesso às Zonas Sul e Oeste paulistana, Osasco está mais próxima do centro financeiro do país, por exemplo, do que muitos bairros da própria capital.
Esses fatores, somados a mudanças nas configurações dos domicílios (mais pessoas vivendo sozinhas, por exemplo), resultaram em uma maior demanda por moradia. E a única forma de uma cidade crescer para atender essa demanda – ainda mais no caso de uma cidade cujo território é relativamente pequeno, como Osasco (apenas 65 km²) – é construir mais, “para cima”, de preferência nas proximidades dos eixos de transporte público, o que tende a diminuir os custos relacionados a mobilidade, infraestrutura e meio-ambiente.
Se a oferta de imóveis, contudo, não consegue acompanhar a crescente demanda, os preços sobem, conforme temos observado na cidade. O aumento dos preços, portanto, não está relacionado à verticalização da cidade, mas sim ao fato de que a oferta de novas moradias não parece estar dando conta da demanda. Osasco, na verdade, ainda parece ter prédios de menos, e não demais.
Entendo o saudosismo de quem vê na verticalização da cidade uma espécie de vilã. Ela nada tem a ver, contudo, com “especulação imobiliária”. A construção de prédios, afinal, parece necessária para absorver o crescimento populacional. E facilitar as construções e a verticalização, em vez de restringi-las, é o melhor caminho para tentar conter a disparada dos preços dos imóveis na cidade.
No mais, se hoje não é mais possível jogar bola na rua ou andar de carrinho de rolimã, como eu fazia na infância quando morava na cidade, a culpa não é exatamente dos novos prédios, mas, principalmente, dos carros que tomaram conta das nossas ruas, deixando-as cada vez mais perigosas para as crianças.
Se as pessoas estão menos nas ruas, por sua vez, a culpa também não é exatamente dos prédios, mas do tipo de prédio que vem sendo construído nos últimos anos, com muros elevados que prejudicam a vida nas calçadas; ou sem comércio no térreo, exigindo dos moradores o uso do automóvel para a realização das atividades mais corriqueiras; ou no formato condomínio-clube, que altera as formas de socialização e a relação das pessoas com a cidade.
Assim, ao contrário do que se ouve muito por aí, o problema das grandes cidades brasileiras não é a verticalização em si, mas a qualidade desta verticalização. Não deveríamos, portanto, ainda estar perdendo tempo com discussões sobre ser contra ou a favor da verticalização, mas sim fazer um debate sério a respeito de onde e como construir prédios que contribuam para a vitalidade urbana e gerem menos impacto no trânsito e no meio ambiente. Edifícios próximos ao transporte público de massa, sem vagas de garagem (o que diminui os custos de construção e incentiva o uso do transporte público), com melhor aproveitamento dos terrenos e comércio no térreo (o que diminui a necessidade do carro para os pequenos deslocamentos do dia-a-dia) parecem ser um bom caminho.
Especulação imobiliária, por fim, nada tem a ver com construir prédios e mais prédios, mas, sim, com manter terrenos e imóveis ociosos ou mal ocupados em áreas centrais da cidade, ricas em empregos, serviços e infraestrutura – áreas estas que, se bem ocupadas, podem colaborar para maior oferta de moradia, maior vitalidade urbana e menor crescimento dos preços dos imóveis na região.
(*) Os números do cadastro do IPTU divergem das informações recentemente divulgadas pelo IBGE, segundo as quais, considerando os domicílios particulares permanentemente ocupados, Osasco teria 192.578 casas, 64.926 apartamentos e 1.801 casas de vila ou em condomínio. Parte da divergência pode ser explicada pela existência de muitos imóveis irregulares – casas em um mesmo terreno, por exemplo, muitas vezes cadastradas no IPTU como uma única casa. Enquanto, nos bairros afastados do centro, a cidade parece crescer à margem das leis de uso e ocupação do solo, com altos índices construtivos e maior aproveitamento dos terrenos, na região central, rica em infraestrutura e onde se concentram os empregos e serviços, há muitos imóveis e terrenos vazios ou mal aproveitados (ocupados apenas por estacionamentos, por exemplo) e o adensamento populacional é menor. Voltarei ao assunto em futuros artigos.
Bom. Artigo gu