Isso tem o cheiro de direitos…

Geral

Por Luciano Pereira Leite – Presidente do SECOR

No final de 2023 estive no Rio de Janeiro a convite da Advocacia Garcez para participar de um encontro jurídico, estávamos em outubro, mês em que comemoramos o dia do comerciário.
Ao olhar pela janela do auditório me deparo com o belíssimo Museu da República (Palácio do Catete). Respirei fundo… Foi como se eu entrasse em uma máquina do tempo e me encontrasse naquele momento em 29 de outubro de 1932, surreal e utópico mas, senti o cheiro dos mais de cinco mil trabalhadores comerciários em passeata rumo ao Palácio do Catete, sede do governo na época. No silêncio ouvi os gritos e reivindicações: redução da jornada de 12 horas diárias para 8 horas e direito ao Descanso Semanal Remunerado aos Domingos (DSR). Senti um sentimento de gratidão à esses homens e mulheres que lutavam por “três oitos”: 08 HORAS PARA O TRABALHO, 08 HORAS PARA O LAZER E 08 HORAS PARA DESCANSO.
Naquele mesmo dia foi assinada a redução da jornada e a regulamentação da abertura do comércio, que resultou no Decreto de Lei nº 4.042. Dia 30 de outubro foi publicado no Diário Oficial. Por isso, a data foi consagrada como o Dia do Comerciário.
Olha que bonito…nossa história de luta beneficiou todos os trabalhadores brasileiros. Eu tenho muito orgulho disso!
Nossa luta é essencial para a garantia da Democracia e do Estado de Direito, envolvendo não apenas os direitos trabalhistas, mas também os sociais, culturais e econômicos, direitos humanos universais, indivisíveis!
Por fim, aquela egregora nostálgica serviu de inspiração para a palestra sobre os desafios do direito internacional do trabalho. E acabei mudando a linha da minha apresentação daquela tarde. Igualmente, gostaria de trazer a luz o tema dessa conversa afirmando que os direitos humanos não são marcados pela linearidade, mas sim pela historicidade, uma vez que são frutos de uma constante evolução e desenvolvimento histórico e cultural, pautados pela luta de classes e consequente transformação das realidades sociais e jurídicas, até converterem-se num tema de legítimo interesse da comunidade nacional e internacional. Sim, os direitos trabalhistas também fazem parte dos direitos humanos.
A década de 40 foi um marco histórico de regulamentação, e assinatura das convenções, tratados internacionais e sistemas regionais e internacionais de proteção de direitos que daí advieram. Neste sentido, é preciso levar em consideração que direitos humanos, democracia e paz social são três momentos de um mesmo movimento histórico: onde os direitos humanos não se encontrem devidamente implementados não se instala uma sociedade genuinamente democrática e onde não há uma democracia substancial não são criadas as condições favoráveis para a superação pacífica dos conflitos sociais.
O grande dilema que hoje se apresenta é a efetivação dos direitos, inclusive do direito à organização. O papel do Estado que deveria (do meu ponto de vista) ser significativo, se mostra pouco presente ou ineficiente para a efetivação dos direitos no contexto da realidade brasileira. Mais que isso: atualmente os direitos humanos vêm sofrendo, frequentemente, ataques de movimentos que querem sua redução, seu silêncio, senão sua completa extinção. O que tem encontrado guarida nos diversos setores da sociedade inclusive entre as pessoas de baixa renda nas periferias das cidades, grupo social mais carente de políticas e serviços públicos relacionados à temática, bem como a identificação de violações de direitos, da proteção de vítimas, na responsabilização dos violadores e na reparação de danos respectivos. Para tanto, os direitos humanos carecem de um lugar central e de destaque na agenda sindical em todas as suas esferas, de modo que as populações historicamente vulneráveis, excluídas e violentadas possam ter seus direitos protegidos em uma sociedade caracterizada pela desigualdade política, social e econômica.
Isso significa que a atuação sindical não pode se limitar aos crimes cometidos contra os trabalhadores em seu local de trabalho. Nossa missão está essencialmente na proteção e garantia dos direitos humanos e para isso se faz necessário um envolvimento coletivo muito maior nessa esfera.
Agora parafraseando a Juíza Federal Raquel Domingues do Amaral em seu texto de 2017:
“Sabem do que são feitos os direitos, meus jovens”?
Podemos sentir o seu cheiro?
Os direitos são feitos de suor, de sangue, de carne humana apodrecida nos campos de batalha, queimada em fogueiras! Os livros jurídicos estão cheios de cabeças rolando das guilhotinas, jovens mutilados, mulheres ardendo nas chamas da inquisição.
Direitos são feitos de gritos Ouço os gritos, gritos de crianças famintas, enrijecidas por invernos rigorosos, falecidas às portas das fábricas com os estômagos vazios! Sufocadas nas chaminés dos Campos de concentração. Direitos são feitos de povos africanos convulsionando nos porões dos navios negreiros. Direitos são feitos de gemidos das mulheres indígenas violentadas. Os direitos são feitos de fluido vital! Pra se fazer o direito mais elementar, a liberdade, gastou-se séculos e milhares de vidas foram tragadas, foram moídas na máquina de se fazer direitos, a revolução!
Tu achavas que os direitos foram feitos pelos Parlamentares? Ou na mais antiga Fake News trabalhista da história “foi o patrão que deu”?
Engana-te! O direito é feito do cheiro da carne do povo! E, quando se revoga um direito, desperdiça-se milhares de vidas
Os governantes e empresários que usurpam direitos, como abutres, alimentam-se dos restos mortais de todos aqueles que morreram para se converterem em direitos!
Direito a quem faz e o busca, é uma dádiva libertadora para o coletivo, consigo a esperança de uma sociedade mais justa e igualitária.
Quando se concretiza um direito, eterniza-se essas milhares vidas! Quando concretizamos direitos, damos um sentido à tragédia humana e à nossa própria existência! O direito e a arte são as únicas evidências de que a odisseia terrena teve algum significado.
E você, consegue agora sentir o cheiro da diferença entre o sagrado e o profano no que se refere aos direitos dos trabalhadores? Em que lado da história você está? Eu prefiro ficar do lado dos verdadeiros heróis na luta intransigente pela memória histórica do direito. Esse é o cheiro que grita dos nossos pulmões!

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