O Inverno passou…

Colunistas Rogério Santos

Talvez nossa vida corrida sirva como justificativa para deixarmos de perceber os ipês-amarelos presentes nos poucos canteiros que ainda restam em nossas cidades. Declarado “flor nacional” por Jânio Quadros (1961), o ipê-amarelo começa a florescer ainda no inverno, no oposto das demais árvores, e o período da queda das folhas coincide com a floração que se inicia no final do inverno. Quanto mais frio e seco for o inverno, maior será a intensidade de sua florada.

Admiro os poetas, essa gente diferenciada capaz de perceber os detalhes da vida e de transformá-los em verso. Dos ipês, escreveu o poeta: “Ontem floriste como por encanto, sintetizando toda a primavera; mas tuas flores, frágeis entretanto, tiveram o esplendor de uma quimera…”. (Sílvio Ricciardi)

Passei pelos ipês muitas vezes sem notá-los. Nestes últimos dias, porém, os ipês-amarelos me acompanharam pelo caminho. Sim, como pedestre na calçada esperando o verde do semáforo, eles chamaram minha atenção com seu amarelo-dourado. Enquanto olhava a cidade, em meu ofício de tentar perceber problemas e sugerir soluções, sua folhagem dourada me exigiu baixar o vidro e receber a impressão de sua imagem florida em minha memória. Eles já estavam ali nos invernos passados, mas somente agora, por alguma razão que me ultrapassa, meus olhos puderam enxergá-los.

Não! Suas folhas douradas caídas ao chão não pretendiam disfarçar os problemas sociais que se manifestam naqueles que dormem sobre a calçada fria. Muito menos desejavam esconder a má conservação das vias públicas e suas calçadas intransitáveis. A flor nacional queria apenas indicar que o inverno frio e seco estava indo embora, e que ela havia resistido mais uma vez. Mais que isso, ela “sintetizava a primavera”, como advento e arauto da esperança que supera mais um ciclo natural para agora anunciar a chegada de uma nova estação.

A vida tem semelhanças com o ipê-amarelo. Para quem encontrou o sentido da vida, não há nada mais natural que florescer no inverno. Como o ipê que sofre o mesmo frio que as demais árvores e ainda assim floresce, a pessoa mergulhada no sofrimento – inerente a todos os homens – será também capaz de autotranscender e deixar a vida florescer. O ipê não espera a primavera para oferecer suas flores. De igual modo, quem aprendeu a viver antecipa a primavera e oferece o que tem de mais belo para ser contemplado por quem passa. Na copa estarão as folhas douradas, sinais de que a seiva da vida continua correndo mesmo durante a friagem. O chão escuro da vida estará em breve recoberto de dourado, como tapete de Corpus Christi à espera do Sagrado.

Rubem Alves diz que, infelizmente, “no espaço urbano [há quem] pense diferente. O que é milagre para alguns é canseira para a vassoura de outros. Melhor o cimento limpo que a copa colorida”, ironiza. Não é o meu caso. Prefiro crer no milagre. Sei que a flor nacional não resolve problemas sociais, nem restaura calçadas e ruas mal cuidadas. O seu poder milagroso consiste em me relembrar que nenhuma estação, nem mesmo o inverno mais intenso, poderá interromper a vida de quem sabe não estar aqui por acaso. É preciso continuar lutando e resistindo, pois, a melhor estação da vida é aquela que se chama “hoje”!

 

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