O Mercado Municipal e a Gastronomia de Osasco Para Além do Famoso Cachorro-Quente

Capa Colunistas Vitor Meira França


Por Vitor Meira França

Minha querida mãe, Dona Marlene Gouveia Meira, é uma baita cozinheira – e não falo só porque sou seu filho: qualquer um que já provou sua comida vai confirmar o que eu digo. Além de possuir um talento ímpar para cozinhar, ela também é perfeccionista e obcecada pela qualidade dos ingredientes.
Quando envio mensagem dizendo que gostaria de almoçar lá, ela sempre me pergunta o que quero comer – que sorte a minha! Se aviso com alguma antecedência – e, especialmente, se o prato principal for seu suculento pernil assado ou sua maravilhosa feijoada –, é no Mercado Municipal de Osasco que ela comprará os ingredientes.
Seja em Osasco, seja nas principais cidades do Brasil e do mundo, os mercados centrais costumam ser referência para quem procura qualidade e variedade de ingredientes, especialmente alimentos frescos como frutas, verduras, carnes e peixes.
O Mercado Municipal de Osasco, inaugurado em 1953 ainda como Mercado Distrital, foi o primeiro mercado do até então emergente distrito da capital paulista – da qual se emanciparia quase dez anos depois. Ele surgiu em um momento de rápido crescimento populacional e expansão da mancha urbana com o objetivo de organizar o abastecimento alimentar para além do Centro de São Paulo – o Mercado da Lapa, por exemplo, também surgiu no mesmo período.
Se, em sua origem, os mercados centrais eram praticamente a única opção para quem queria fugir dos típicos armazéns de vila e buscava maior variedade de produtos, com o tempo eles passaram a sofrer com a concorrência dos supermercados, açougues, sacolões, feiras-livres, e-commerce e viram sua clientela diminuir.
A mudança de cenário vem levando esses espaços a se reinventarem mundo afora, tornando-se também ponto de encontro para quem busca bons lugares para comer e beber e para quem deseja conhecer ou se reencontrar com a história das cidades. Pelo Brasil e pelo mundo, mercados centrais tornaram-se lugares que valorizam não somente produtos de qualidade, mas também a cultura e a gastronomia locais, além de terem se transformado em pontos atrativos para turistas, visitantes e moradores.
O Mercado da Ribeira, em Lisboa, por exemplo, foi concedido para a iniciativa privada, revitalizado e hoje conta com uma praça de alimentação com diversos tipos de comida, desde restaurantes de chefs renomados até comida orgânica – com foco, é claro, na culinária típica do país. Em São Paulo, o Mercado Municipal de Pinheiros também passou por uma revitalização e ganhou novos restaurantes, como a mini-filial do famoso Mocotó.

Mercado da Ribeira, em Lisboa: foi concedido para a iniciativa privada, revitalizado e hoje conta com uma praça de alimentação com diversos tipos de comida, desde restaurantes de chefs renomados até comida orgânica – com foco, é claro, na culinária típica do país. Foto: site Dicas de Lisboa.

Seguir a tendência observada pelo mundo e se transformar em um polo gastronômico poderia ser um caminho para a modernização do Mercado Municipal de Osasco, hoje ainda uma referência para quem busca variedade e qualidade de produtos frescos, como minha mãe, mas muito menos frequentado e atrativo do que no passado.
Um primeiro desafio, assim, seria aumentar o leque de opções gastronômicas disponíveis. Para reforçar a identidade local, seria interessante que essas opções estivessem relacionadas à história e à cultura de Osasco.
A cidade, como se sabe, é nacionalmente famosa pelo seu cachorro-quente, que se tornou talvez nosso principal símbolo. A gastronomia de Osasco, porém, vai além do famoso “dogão”. Afinal, como muitos municípios da grande São Paulo, a cidade recebeu imigrantes de países como Itália, Portugal, Armênia, Líbano, Japão, além de migrantes do interior de São Paulo e de estados do Sul, Sudeste e Nordeste.
Para citar alguns exemplos de como isso se reflete na nossa gastronomia, podemos mencionar os inúmeros restaurantes japoneses na cidade, os deliciosos restaurantes nordestinos, o tradicional Dozza, inaugurado em 1956 e referência da culinária armênia, e a excelente Casa da Síria, na Primitiva, que descobri recentemente – no que diz respeito à culinária italiana, não entendo como até agora não foi aberta uma ‘Oz’teria por aqui (rs).

Mercado Municipal de Pinheiros: passou por uma revitalização e ganhou novos restaurantes, como a mini-filial do famoso Mocotó. Foto: Folhapress.

Além da valorização da gastronomia local, o Mercado também poderia priorizar produtores locais de maneira geral, sejam de produtos frescos advindos de hortas urbanas e ecovilas, por exemplo, sejam artesãos locais ou mesmo produtores de cervejas artesanais.
A maior oferta de opções gastronômicas demandaria um espaço mais amplo (talvez aproveitando parte do estacionamento), aberto, iluminado, convidativo e seguro, com mesas na calçada e horário de funcionamento estendido, especialmente nos finais de semana – atualmente o mercado fecha às 18h de segunda a sábado e às 13h aos domingos.
E aqui esbarramos em um novo desafio: o Mercado está localizado em uma área despovoada do centro e fora dos trajetos que concentram os maiores fluxos de pessoas – as ruas do entorno hoje são muito mais de passagem do que de permanência e o Mercado não parece atrair os muitos visitantes que vêm à região central para fazer compras na Antônio Agú e arredores.
É claro que um Mercado revitalizado, por si só, poderia se tornar um ponto de atração de pessoas. Incentivar a moradia naquela área, porém, não só daria mais vida para o entorno do Mercado, como seria benéfica para a cidade, já que se trata de uma região rica em infraestrutura, empregos, serviços e próxima da estação de trem e de importantes terminais de ônibus. Em Roterdã, o prédio que abriga o Markthal tem até apartamentos, o que garante movimento e segurança dia e noite no mercado de alimentos frescos e que também conta com praça de alimentação.
A boa notícia é que já há pelo menos três edifícios de uso residencial ou misto sendo construídos nos arredores do Mercado Municipal, o que deve aumentar a circulação de pessoas e, consequentemente, a sensação de segurança.

Markthal, em Roterdã: prédio que abriga o mercado tem apartamentos, o que garante movimento e segurança dia e noite. Foto: MVRDV.

Osasco, como já disse, é considerada a capital nacional do cachorro-quente, mas a culinária da cidade é mais diversa e vai além disso. Neste sentido, o Mercado Municipal poderia se tornar um polo dos sabores que fazem parte da nossa história, além de um atrativo ponto de encontro e visitação, o que ajudaria a trazer mais vida e desenvolvimento para uma área hoje menos movimentada do centro da cidade.
No mais, em uma cidade ainda tão jovem quanto Osasco, mas que vem se transformando tão rapidamente, são cada vez mais raros os resquícios de sua breve história, sendo o Mercado Municipal um deles – e que, portanto, pode desempenhar um papel importante na preservação da memória e na construção da identidade local.
Também não é porque somos a capital do cachorro-quente que vamos deixar de ressaltar a importância de uma alimentação saudável e equilibrada na cidade – e o Mercado Municipal tem tudo para se tornar nossa principal referência de comida boa, tradicional, fresca e de qualidade.
(*) Para quem deseja conhecer um pouco mais a respeito do que está acontecendo com os mercados centrais pelo mundo, sugiro o episódio “Reinventar os mercados públicos”, do Canal São Paulo nas Alturas, disponível no Youtube.

1 thought on “O Mercado Municipal e a Gastronomia de Osasco Para Além do Famoso Cachorro-Quente

  1. Meu caro Vitor, o dogão já provei, mas o pernil assado e a feijoada me deram água na boca, aguardando a chance de provar também. Você está certo, inovar nos Mercados Municipais, equipamentos e infra já construídos, na maioria dos casos em locais centrais das cidades é uma excelente ideia, transformá-los em centros gastronômicos, especialmente conectando produtores, lojistas e o público seria especial. Uma forma de criar usos nos centros das cidades, afinal, se queremos repovoar os centros, as pessoas precisam ter o que fazer lá. Abraço.

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