Pedalando sem ver no autódromo de Interlagos

Destaque Geral

Por: Bia Santana

Nas tardes de domingos ou nas madrugadas, sentados em frente à televisão, aguardávamos ansiosos a contagem regressiva, bandeiradas, luzes verdes acendiam, o grid de largada começava a ser movimentado pelos carros de Fórmula-1.

Acompanhávamos com atenção os carros em alta velocidade no ‘S’ do Senna, o pitstop sempre era uma emoção em que todos torcíamos em pensamentos: ‘troca rápido, troca rápido, parafuso, esse pneu logo, sai, sai!’. Em segundos estava o piloto de volta na pista.

Ferrari, McLaren, Mercedes, Ayrton Senna, Rubens Barrichello, Michael Schumacher, Fernando Alonso, melhores pilotos, melhores equipes e ali na frente da tela torcemos durante dezenas de voltas no grande prêmio de Fórmula-1 do Brasil no Autódromo de Interlagos.

Dez deficientes visuais, quatro bicicletas tandem, cinco condutores e muitas expectativas, muitos gatilhos de lembranças de quando enxergávamos.

Luciano, deficiente visual: “Muitas vezes, eu me via pilotando nessa pista, estou muito ansioso para pedalar no autódromo e sentir como Ele é!”.

A van nos deixou no autódromo, aniversário de São Paulo e a pista do autódromo estaria aberta a ciclistas para pedalar durante algumas horas, no período da manhã.

Logo perguntamos: ‘Como a pista é? De onde estamos, o que vocês enxergam?’

Logo um condutor responde: ‘De onde estamos, dá pra visualizar um grande pedaço da pista preta e a arquibancada é branca.’

Alguém fala: ‘Nossa! Igualzinho na televisão mesmo!’

Nos organizamos e as primeiras quatro duplas de ciclistas saíram para pedalar. Os outros esperavam, aguardando como seria a sua vez e os que foram o que eles tinham a dizer.

Antonio deficiente visual e Renata condutora chegam: ‘Antonio! E aí como foi?’

  • Nossa! Tem uma subida pesada, minhas pernas estão doloridas, mas eu irei novamente!

Quantos imaginam que no ‘S’ do Senna tem uma subida forte antes e uma descida maravilhosa com curvas. Quando foi a minha vez, eu pensei: se a bicicleta está quase a 50 km/h imagina os carros como iam forte nesse pedaço.

Aguinaldo: ‘Eu perdi a visão em 2019, faz quatro anos que eu não ando de bicicleta e antes de perder a visão eu andava todos os dias!’. Ele pedalou cerca de 30 km e na volta final deu um problema na bicicleta e ele empurrou a bicicleta com sua condutora Débora pelo gramado retornando.

  • Nossa! Eu tive a oportunidade de andar na pista e ainda andar pelo gramado retornando, sentimentos totalmente diferentes e bons.

Uma garoa caía, mas não caía, era o mestre Ayrton Senna nos abençoando a cada pedalada. Emoção de sentimentos que percebemos ali, pegando velocidade no grid, pedalando em uma subida difícil e descendo com o vento da liberdade.

A volta do autódromo tem cerca de 5 km, íamos revezando, descansando, brincando, lanchando e repetindo as voltas.

Jamiro Deficiente visual: ‘Para mim, hoje foi um dia muito importante, sempre imaginei como seria pilotar nessa pista, porém nunca cheguei a me imaginar dentro dela, uma emoção espetacular, inexplicável! Pedalei por onde desfilaram os maiores nomes de pilotos no mundo! Isso pra mim foi muito importante, ainda estou montando os flashes em minha cabeça!’

Pedalar ali, para todos nós, não foi somente um simples pedal, foi um mix de emoções, sentimentos inexplicáveis, flash de lembranças antigas, flash de lembranças novas. Talvez sem enxergar os sentimentos das curvas, subidas e descidas estiveram muito mais aguçados.

Obrigada Daniel, não somente por proporcionar esses sentimentos incríveis para nós, mas sim para mais de 10 mil ciclistas que estiveram em Interlagos. Pedalamos sem ver, nos emocionamos e abrimos uma caixa de emoção. Projeto Pedala Sem Ver com toda a organização, logística e condutores.

Foi um grande conjunto de pessoas que fizeram desse dia um dia incrível!

Eu, Bia, que escrevo a vocês leitores: “Sou mais que fã do Rubens Barrichello! Digam o que quiserem dizer, quantas madrugadas eu acordava para acompanhar a Fórmula-1 pela televisão e já com meus pais separados, recebia a ligação do meu pai, no domingo ou na segunda-feira para comentarmos sobre a corrida.

Eu sempre quis assistir uma corrida de Fórmula-1 naquele autódromo, mas os preços são bem altos, isso sempre esteve fora de cogitação, mas de repente estar ali dentro pedalando em um local que sempre amei, passando por cada pedacinho e ouvindo a música do Ayrton Senna com a narração de Galvão Bueno não é para qualquer coração aguentar! Fiquei imensamente grata por esse dia.

Não conseguirei citar todos os nomes em agradecimento, finalizo por aqui repetindo a todos: ‘Se temos vontade e acessibilidade tudo se torna possível!’

Até a próxima pessoal.

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