Uma igreja ucraniana no centro de Osasco escondida atrás de muros altos e arames farpados

Capa Colunistas Vitor Meira França

Mesmo tendo vivido por mais de vinte anos em Osasco, foi só recentemente, ao voltar para cá a trabalho, que descobri a existência, na região central da cidade, da Paróquia Proteção da Santíssima Virgem (Pokrova), uma igreja católica ortodoxa ucraniana.

E NÃO descobri porque, coincidentemente, a igreja fica exatamente no caminho a pé que faço todos os dias da Estação Osasco até o Paço Municipal – sim, passava todos os dias em frente e não tinha reparado nela. Fiquei sabendo da igreja, na verdade, ao ler a Minuta do Plano Diretor de Osasco, mais especificamente o quadro de bens indicados para tombamento municipal.

Inconformado por passar todo dia em frente à igreja e nunca ter reparado nela – logo eu, que tanto me orgulho de caminhar pela cidade buscando observar cada um dos seus mínimos detalhes –, fiz questão de ir com um amigo na hora do almoço até o número 18 da Rua Tomás Spitaleti.

Chegando lá, foi fácil entender por que, até então, não tinha me dado conta da existência daquele pequeno pedaço da história de Osasco: apesar dos vibrantes azul e amarelo da bandeira ucraniana na fachada da igreja, ela se encontra escondida atrás de muros bem altos protegidos por arames farpados. “Será que é para se proteger de um possível ataque russo?”, brincou meu amigo politicamente incorreto.

Lateral da Igreja Ortodoxa Ucraniana. Por causa dos muros altos, a igreja pode passar despercebida por quem caminha pela calçada. Fonte: Google Street View

Não, os muros e arames farpados não estavam ali para proteger o patrimônio de um improvável ataque russo. Como em tantos outros imóveis daquela região, os muros e arames farpados foram implantados como uma reação à sensação de insegurança e a possíveis ações de vândalos e ladrões.

Os ucranianos que vieram para o Brasil e se fixaram na Região Metropolitana de São Paulo nas primeiras décadas do século XX foram inicialmente para as fazendas de café no interior do estado, para depois migrarem para os centros urbanos, particularmente Osasco e São Caetano do Sul.

A igreja de Osasco foi construída em 1953 e, “como todas as igrejas ortodoxas, foi fruto de grande esforço da comunidade de imigrantes que buscavam conforto espiritual, criando as primeiras raízes na nova terra”, conforme nos conta Alexandre Vorobieff em sua dissertação de mestrado sobre “Identidade e memória da comunidade russa na cidade de São Paulo”.

“O que esperar de uma sociedade na qual nem um patrimônio religioso, um local de acolhimento espiritual, está imune a roubos e vandalismo?” é a primeira pergunta que me vem à mente. Ainda que problemas ligados à violência e sensação de insegurança nas grandes cidades brasileiras tenham razões estruturais, há também aspectos urbanísticos por trás dos muros e arames farpados naquele trecho específico da área central da cidade.

Ao longo das últimas décadas, as residências ali foram dando lugar a estabelecimentos de comércio e serviços, estacionamentos, quando não simplesmente abandonadas, a espera de compradores. Assim, apesar da proximidade da Estação Osasco, a região hoje é predominantemente comercial, com pouca variedade de comércios e baixa densidade populacional, algum movimento de pessoas ao longo do dia, mas que praticamente desaparece à noite. Sem os “olhos da rua” aos quais se referia a famosa jornalista e urbanista Jane Jacobs, cresceu a sensação de insegurança, levando os donos dos imóveis da região a buscarem mecanismos de proteção, o que deu ares de zona de guerra à boa parte das ruas localizados entre a Estação Osasco, a Avenida Maria Campos e a Ponte Metálica.

Ares de zona de guerra na Rua Nelson Camargo, no trecho entre a Praça Padroeira do Brasil e a Ponte Metálica. Fonte: Google Street View

É claro que não se resolvem questões ligadas a violência e sensação de insegurança da noite para o dia. Em uma área com tantos imóveis à venda ou para alugar, porém, uma forma de tentar começar a diminuir o problema é incentivar a construção de edifícios de uso misto, com térreos ativos, abertos para a cidade, comportando diferentes tipos de estabelecimentos comerciais para diferentes públicos, muitos deles funcionando não apenas em horário comercial, mas também à noite.

Além de trazer a população de volta para uma área rica em infraestrutura, empregos, comércio e serviços, próxima à estação do trem – o que significa, para a cidade, menores custos relacionados a mobilidade e meio ambiente –, mais gente circulando por ali ao longo de todo o dia tende a aumentar a sensação de segurança. E com isto, de quebra, a cidade pode devolver aos seus cidadãos pequenos pedaços da sua história que hoje se encontram escondidos atrás de grades, muros e arames farpados, como é o caso da igreja ortodoxa ucraniana.

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