A dança curando a alma: A dor dos treinos não é nada diante da dor interna

Capa Esportes Márcio Silvio

No grupo de dança das irmãs Rellva há profissionais de áreas técnicas, empresárias, educadoras, comerciantes etc. Cada qual com olhar próprio sobre o tema mas, em comum, todas com muitas encrencas – algumas brandas, outras com traumas importantes e que precisam até de receita médica para o sono.

Mas ao longo dos anos pondo a mulherada para dançar e desafiando todos os medos, as irmãs Fátima e Cida Rellva vão quebrando tabus ao conquistarem profissionais da saúde. Por exemplo, que dizem os conservadores ao verem uma psicóloga arrebentando na dança do ventre ou na cigana?

Essa pergunta parte de Mônica Belarmino, que além de psicóloga tem clínica com vários profissionais sob comando. Sim, ela é uma empresária e no dia a dia está lá naquela firmeza pura para cuidar dos negócios. E para dar conta de tamanha exigência, a psicóloga tem a dança como arma. “Ganho energia e cuido melhor da clínica, da gestão profissional e dos pacientes”, justifica.

E ela complementa que há uma troca de energias aí – a que parte dela e a que ela recebe do ambiente – da liberdade das mulheres que podem dançar sem preocupação com o corpo. A psicóloga está falando que nesse ambiente não há rótulos, não há padrão de beleza e que todas sentem-se livres. Ela se identifica tanto com o espaço das Rellva que levou as cores do estúdio para a clínica, hoje tão colorida quanto.

Certo, Mônica Belarmino dança pelo bem-estar mas sabe que causa algum espanto por aí – porque uma coisa é vê-la clinicando, outra é vê-la serpenteando na dança. A psicóloga diz que devolve os apontamentos com a firmeza das divas: “Na clínica sou a profissional, na dança não deixo de ser mas estou num momento meu.”

Também psicóloga, Amanda Freitas já faz parte daquele grupo de mulheres machucadas e não esconde que foi para o estúdio toda fechada, doída: “Quatro meses depois de meu filho nascer, me separei. Então, nesses anos todos também assumi papel de pai. Quando comecei a dançar, a Fátima logo notou que eu não me olhava no espelho. Depois, todas meninas me encorajavam pra que eu me me encarasse.”

Bem, os machucados da vida colocaram Amanda na contramão de Narciso, não gostando de nada que fosse espelho. O primeiro choque que tomou nas aulas foi o desafio de ser ver dançando; em seguida, teve aquela pressão legal para comprar espelho – não tinha em casa. E hoje? A psicóloga resolveu essas questões dançando e reforça o divã que é a dança das Rellva – ajuda outras mulheres e parte feliz para o bailado quando a música chama.

Mas além dos machucados internos, Amanda também passou por trauma físico, acidente que lesionou seriamente a coluna. Procedimentos à parte, foi desafiando tudo com a dança que ela vê a receita de medicamentos diminuir e já perto de zerar. “Quando ela comprou espelho, deixou embrulhado”, lembra a professora Fátima Rellva. “Foi aquela força pra ela vencer esse medo e ela superou dançando; agora, dança pra vencer essa batalha depois do acidente.”

DANÇARINA PÓS-AVC
Beth Gomes tem um divisor na linha do tempo – quatro anos atrás caiu vítima de AVC hemorrágica, coube UTI e metade do corpo paralisado. Então, qualidade de vida comprometida, futuro à deriva. Acontece que ela é aquele tipo de mulher com vozeirão forte, ousada e que não foge da raia. “AVC? Isso não me pertence”, mentalizava.

Avançando na segunda parte dessa linha do tempo, Beth é uma das inspirações no estúdio das Rellva. Mas é claro, paga um preço pelo estilo em alta voltagem e pela voz turbilhão, pois rapidinho passou a ser chamada de Betão.

“Um dia eu saí muito triste da fisioterapia, não tinha força muscular alguma, comecei a andar um pouco até que vi o estúdio e a propaganda de dança cigana. Sempre amei essa dança e disse pro meu marido que queria fazer. Então, mesmo com todas limitações e desafiando a razão médica, Betão foi para a dança e hoje esbanja alegria e vida nos bailados ciganos.

DANÇA DA DEPRESSÃO
Outra moça com medo de espelho, Camila Juvêncio engrossava a fila da depressão. Jovem mas com muito peso nos ombros, foi assim que iniciou com as Rellva. “Eu tinha uma ideia que só veria mulheres esculturais na dança, que era preciso ter um corpo bonito. Mas logo vi que não era nada disso, que a dança é pra todas. Mas eu também não me olhava no espelho, me escondia”, conta a dançarina.

Camila foi tomando aquele chá de empurrão das colegas e logo sentiu o olhar próprio sendo restaurado. “Hoje me produzo toda pra aula, batom e muita alegria porque a dança trabalha o feminino”. Isso mesmo, Camila rodopia como canta Oswaldo Montenegro em Bandolins: Valsando como valsa uma criança.

PLACA NO JOELHO? DÁ-LHE DANÇA!
Que tal estar numa cadeira de rodas, placa gigante no joelho esquerdo? Certo, eis aí um quadro clínico importante e para longos meses de procedimentos. Agora, isso não vale para Valdete Clemente. No final de novembro, Festa Árabe e Cigana no espaço das Rellva e, num momento, lá vem aquela mulher na cadeira de rodas.

Certo, ela vai ficar ali sentadinha e só nos braços. Com todo respeito aos evangélicos, se fosse uma reunião cristã todos aplaudiriam o milagre. Por que? Olha a Valdete se levantando da cadeira de rodas e indo bailar. É isso mesmo? Verdade, a mulher tem uma placa gigante no joelho, dificuldades mil para tudo e, tipo milagre mesmo, vai na energia e dança barbaridade. Mas essa dor física não se compara à interna que ela vem tratando na dança. Longos anos de casamento, empresária e que, de repente, vê-se sozinha e para recomeçar do zero. Ela começou com as Rellva quatro anos atrás.

“Estive casada por vinte anos e a vida estava tranquila, tocávamos a empresa numa boa parceria mas depois veio a separação. Então eu me fechei, sem reação. Quando comecei a dançar foi mesmo um desafio me reencontrar”, diz a moça do joelho. Naturalmente que Valdete anda com alguma dificuldade ainda, mas nota mil se comparado com o estado na cadeira. Como ela consegue dar conta de tudo com a placa enorme, só a dança pode dizer.

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