No tempo em que político tinha sobrenome de praça e rua principal, velório era coisa séria. Podia faltar à inauguração de creche, à sessão da Câmara e até à missa de sétimo dia do sogro, mas velório… ah, velório era inegociável!
Li algo assim no livro da Drª Letícia Bicalho Canêdo (ex-historiadora da Unicamp e lançado este ano), que era tradição e quando faltavam políticos nos enterros, algo não estava sério e, assim, matutando, saiu esta pequena crônica.
Os adversários, esses, tinham agenda mais meticulosa que a do Vaticano. Marcavam horários com precisão cirúrgica: “Fulano vai às 14h? Eu chego às 16h30, quando ele já estiver discursando em outro corpo.” Claro, às vezes, o destino pregava peças. Bastava um atraso do cortejo ou uma mudança na rota para adversários políticos se encararem na sala de velório. Era como assistir a um duelo de coveiros, cada um tentando segurar a alça do caixão com mais empenho que o outro.
Era um show! Um fazia discurso emocionado, “fulano foi meu amigo, um homem de bem”, enquanto o outro já tramava como ia desmentir isso no próximo comício (ops! Próximo velório”. E se torpara saber quem estava próximo de ir para o mundo dos pés juntos para fazer uma visita. Como não haviam muitos leitos de internação, os doentes ficavam em casa mesmo e, antes que partisse, fazia questão de visitar o doente, tomar café ralo feito na hora, comer umas broas e pão de queijo (se fosse em Minas), no nordeste era mesmo um cuscuz ou a tapioca co manteiga.
Mas voltando aos velórios. Na hora de carregar o defunto, eles seguravam a alça como quem segura o último cabo eleitoral da campanha. Afinal, levar o falecido até a cova era garantia de fidelidade eterna… pelo menos do lado de lá.
Mas isso era antigamente. Hoje, o cenário é outro. Velórios não têm mais a pompa de antigamente. Se um político aparece – coisa rara –, ele mal tira o boné, dá uma piscadinha pra viúva e já sai dizendo: “Estou atrasado para uma live.” A alça do caixão? Virou fake news nas mãos deles. Carregar, nem pensar!
Pior que isso só os eventos. Antes, festa era território neutro, um Carnaval de interesses. Mas agora? Nem as quermesses os reúnem. Ninguém quer ser flagrado com um adversário por medo de virar meme no WhatsApp.
Ah, que saudade do tempo em que político sabia fingir amizade até na frente do defunto! Hoje, nem pra isso têm criatividade. Talvez porque, no fundo, sabem que, diferente dos velhos tempos, a alça do caixão agora é segurada pelo voto… e esse, eles têm medo de carregar.
E o eleitor? Bom, esse continua ali, entre flores, velas e discursos que ninguém pediu, só esperando o próximo “carregador de causas” que não foge quando o peso aumenta.