Por: Bia Santana
Já imaginaram uma pessoa cega no restaurante realizando pedido, se servindo no buffet e pagando sua conta?
Comentarei sobre 2 restaurantes distintos que estive recentemente. Ao término da leitura, como diz minha terapeuta, “Coisas para se pensar…” com certeza você já realizou atitudes como no exemplo não positivo que darei.
O primeiro restaurante, na Vila Clementino, um clássico buffet self service chamado Lagoa Tropical vegetariano na Rua Borges Lagoa, onde a experiência foi ótima. E o outro A la carte Violeta bar e restaurante, na Rua Augusta, onde odiei a experiência.
Vamos ao primeiro, Lagoa Tropical, um restaurante coma a vontade vegetariano, onde havia buffet de pratos quentes, saladas, sucos e sobremesas.
E agora? Como imaginam uma pessoa cega pegando o prato, se dirigindo ao buffet e escolhendo e servindo a refeição?
Calma! Somos cegos não super ninjas. Um funcionário me auxiliou com tudo. Ele me recepcionou, me levou até uma mesa próxima ao balcão de pagamento de forma que algum funcionário me auxiliasse quando requisitado ou necessário. Levi foi quem me auxiliou, me levou ao buffet, descreveu tudo que havia, sugeriu alguns pratos e foi me servindo conforme a quantidade que eu ia pedindo. Sempre passando na mesa para verificar se precisava de bebida ou repetir algo.
Na sobremesa, o processo se repetiu, assim que finalizei o almoço, ele me direcionou ao balcão de pagamento e paguei com meu smart whatch por aproximação, mas geralmente temos o famoso dinheiro ou cartão. Nas maquininhas o número 5 tem uma bolinha em alto relevo assim proporcionando a possibilidade de termos a dimensão de onde estão as outras teclas.
Comida boa, temperatura ideal, bom atendimento por R$ 41,00, com certeza retornarei.
Além disso, saÍ com o sentimento de plena autonomia e felicidade. Os colaboradores, identificando a necessidade, adaptaram para que minha refeição fosse como a de qualquer outra pessoa naquele ambiente.
No segundo, fomos comemorar o Dias das Mães em família, na unidade da Rua Augusta do Violeta Bar e Restaurante.
Não havia cardápio acessível para que eu pudesse escolher sozinha, atualmente o QR CODE ajuda bastante, já que nosso celular tem leitor de tela, meu irmão e uma amiga efetuaram a leitura para mim.
Optei por Filé de salmão, o qual havia 2 opções, assim que o garçom chegou começou o primeiro grande erro. Perguntei sobre as opções, ele agiu como se eu não tivesse voz ativa das minhas escolhas e opções, senti o seu braço em direção ao cardápio apontando onde estava escrito para meu irmão, ops! Quem iria comer e perguntou? Eu existo e estava ali!
Logo falei: Desculpa! Mas eu que quero comer e como sou cega e não tem cardápio acessível pode me explicar, meu irmão não vai comer por mim!
Mesma coisa de não falar nada, ele se direcionava para meu irmão, eu respondia, meu irmão repetia, somente assim o pedido era anotado. Não pensem que somente em restaurantes as pessoas fazem isso, basta ter alguém do meu lado para que as pessoas no geral terceirizem o diálogo com perguntas do tipo: “Qual o nome dela?”, mesmo eu estando ali do lado.
Ao trazer o prato seguiu o diálogo terceirizado, dessa vez com minha mãe.
-A salada dela! Posso servir?
Para minha infelicidade, quando trouxe o prato quente, seja pela maior quantidade de pessoas ou não, o prato estava frio, se tem uma coisa que não desce é comida fria. Pedi para esquentar novamente… se direcionou à minha mãe: Quer que reaqueça?
Eu já estava bem arrependida daquele restaurante e do descaso dos funcionários.
Para resumir, tive um prato com o arroz reaquecido, mas o resto da comida estava bem fria e um ovo cozido que deve estar lá pela cozinha porque não retornou no meu prato.
Mais um pedido com resposta terceirizada e tudo no microondas.
No pagamento, acho que nem preciso comentar que com o cartão ali, meu irmão foi requisitado para pagar.
Um prato pronto com filé de salmão com guarnições, suco de água de côco com abacaxi R$ 112,00, atendimento não achei bacana comigo e a comida prefiro não opinar para não magoar o chef, já que realmente não consegui apreciar o prato.
Não pretendo retornar, me sinto chateada: em pleno século 21 ainda passamos por isso em muitos locais.
No primeiro restaurante, que me proporcionou autonomia, realizei tudo o que era possível e no outro, segundo o ponto de vista dos funcionários, minha opinião e minhas palavras foram caladas.
Quando o ambiente, dentro do possível fica acessível, a vida segue normal e eu fico feliz por lugares assim existirem e chateada pelo resto que ainda é grande.
Até a próxima pessoal, tudo é possível desde que seja adaptado.
Infelizmente a maioria dos restaurantes são péssimos para atender cegos. Às vezes dá vontade de pedir ifood e comer em casa mesmo. Mas a felicidade quando a gente encontra um, igual esse que você gostou, faz a gente ter esperança. Pagar por aproximação não deve ter sido inventado para os cegos, mas eu agradeço muito. Me sinto o próprio Tony Stark pagando minhas contas. KK
Desde que fiquei cego, há 10 anos, o que me tira mais a paciência é essa coisa das pessoas terceirizar a conversa. Isso me deixa p. da vida. Olha que sou a pessoa mais calma do universo. Mas esses dias eu tive que pedir para um cara ir comer tomate cru. O cara em cinco minutos de conversa fez oito perguntas sobre mim para meu acompanhante, sendo que eu respondi todas elas, na nona eu não aguentei. Fui mal criado! KKK
Excelente artigo, Bia. Obrigado por compartilhar com a gente, bom saber que não é só eu que passo por isso. Iria achar que era algo comigo. KK