Essa menina de 24 anos tem visão lógica, bem ao estilo do espetacular senhor Spock na consagrada série Jornada nas Estrelas. Não, Júlia Alboredo não vive a cosmologia de Vulcano, planeta de origem desse eterno personagem, ainda que tenha afinidade com a razão pura e o calculismo desse vulcano de orelhas pontiagudas.
A vida dela é em Jandira, de onde o tabuleiro rompe o mundo feito teletransporte tão usado pelo senhor Spock e tripulação do USS Interprise. Julia é viajante do xadrez, cruzando fronteiras como grande nome do Brasil e ganhando vitrine internacional. Ela é mesmo referência nacional – fechou outubro com o título do Campeonato Brasileiro de Xadrez Universitário e iniciou novembro vencendo o Campeonato Brasileiro Feminino.
Julinha está terminando química e já planeja se aprofundar nas fórmulas após receber o diploma no MacKenzie de Barueri. E por que essa escolha? Por uma razão lógica: ela diz que como o xadrez, a química também não tem fim, não zera nunca; combinações ilimitadas.
Como toda atividade esportiva, ela sofreu com o xadrez paralisado pela pandemia em 2020, só que não tanto. E explica: “A gente joga frente a frente com o oponente, então na pandemia não tivemos competições mas o xadrez teve um boom gigantesco por conta do online (via computador). O lado bom é que eu pude me dedicar bastante durante a pandemia..”
Certo, nesse período tenso a nossa heroína varreu tudo nos tabuleiros virtuais e, quando voltaram as competições presenciais, seguiu comandando forte o exército de peças e conquistando reinos – foi assim no Brasileiro Universitário, depois no Brasileiro Feminino.
Para levantar o valioso troféu da elite nacional, Julinha bateu onze partidas em pontos corridos. Como ela é apaixonada por futebol, compara o torneio com os das quatro linhas: “Só que no xadrez nós temos pontuação diferente, a vitória vale um ponto apenas, o empate vale meio. O futebol dá um valor muito maior pra vitória.”
Então ela foi rompendo tudo no Brasileiro até chegar à final contra a hexacampeã Juliana Terao – isso mesmo, somente seis vezes campeã brasileira e para quem Julia de Jandira vinha pagando derrotas. As duas chegaram no mano a mano, empatadas com nove pontos e, por fim, com um jogo agressivo e partindo para o cerco, no limite do limite ela supera Terao e fecha o tabuleiro por meio ponto.
“No último minuto eu acabei virando nos critérios de desempate e pela primeira vez eu consegui conquistar esse título”. E o que vem com esse troféu? A Olimpíada da Rússia! Isso mesmo, o xadrez é uma modalidade olímpica mas fora dos tradicionais Jogos Olímpicos que rolam a cada quatro anos.
Por ser muito peculiar, tem olimpíada própria e que acontece a cada dois anos. O vírus impediu os jogos em 2020, adiando para o ano que vem na Rússia. Lembrando, em junho passado ela esteve lá como a primeira brasileira na Copa do Mundo Feminina, agora retorna como campeã brasileira para a Olimpíada, a terceira dela – já esteve na de Baku (Azerbaijão 2016) e na de Batumi (Georgia 2018); no ano passado e por conta da pandemia, esse grande torneio foi online.
Agora, para dar conta da vida pessoal, dos estudos que são tensos e do xadrez que dispensa apresentações, nossa campeã usa a estratégia própria do tabuleiro, cada peça no seu quadrado. “Você tem que ter uma boa rotina pra conseguir levar tudo. Eu tento levar o xadrez profissionalmente e também logo vou me graduar em química. Tudo precisa de planejamento como num jogo. Antes de tomar uma decisão eu dou uma olhada no todo.”
Julinha diz que o melhor xadrez do mundo está na Rússia e que o tabuleiro brasileiro ainda está muito aquém. “Mas durante a pandemia e por conta do online a modalidade ganhou muita visibilidade aqui. O Campeonato Brasileiro foi transmitido pelo Youtube e com dez mil pessoas assistindo a final.”
Gambito Da Rainha?
Quando a pandemia pegava forte no mundo todo, surgiu a série O Gambito da Rainha e que, segundo Julinha, reforçou o boom online do xadrez. E o título dessa produção tem a ver diretamente com ela que é uma jogadora ofensiva.
O Gambito da Rainha (Dama) é um lance popular do tabuleiro e com história lá do século XV. No original italiano, gambetto significa rasteira ou drible, se pensado no espanhol. Tem a ver com perna mas no sentido de finta ou jogo de malandragem como faz a capoeira antes de atacar.
Julinha explica que o jogador que inicia com as peças brancas já está dizendo que vai para o ataque. Nesse cenário, a campeã vai isolando o tabuleiro e realizando outros tantos gambitos conforme a reação adversária.
Fã de futebol, ela sabe que quem domina o meio-campo tem melhor chance para montar o ataque; então, via gambito ela vai forçando as peças para tomar conta do centro da batalha, o centro do tabuleiro. Marcando território aí, Julinha sente-se em casa para dar blitz até a peça final.
Olimpíada Rússia 2022
Agora com o calendário do ano se fechando, Julia de Jandira arruma as malas para temporada de férias na Europa. O descanso dela será participando de competições e de intensivões com as melhores jogadoras do mundo.
Julinha parte para um aprendizado e pensando na Olimpíada da Rússia em setembro. Será em Moscou e, como já contou aqui, cada decisão tomada é muito bem planejada. Então, se alguém pensa que setembro de 2022 está longe, ela avisa que esse tabuleiro já começou.
Nesse ponto, nossa Spock mostra que vai de gambito em tudo, sempre no ataque; e parte para a Europa com o objetivo de aprimorar essa estratégia. Não é preciso dizer que Julinha está em apronto olímpico e partindo ao som de um dos clássicos da música popular brasileira: quem sabe faz a hora, não espera acontecer.