Carta Aberta de uma Mulher Corrompida – Parte 2

Colunistas Talita Andrade

ATENÇÃO: Alerta de #GATILHO. Esse texto contém narrativa de abuso psicológico, agressão física que podem causar gatilhos. Pare a leitura imediatamente caso te remeta a alguma lembrança ou trauma vivido.

O amor já me salvou na cruz, mas por amor eu também já morri.

Sempre que eu penso que já escrevi tudo sobre meu relacionamento abusivo, um relato, ou alguém que tenta replicar em mim alguma situação tóxica que eu já passei, desencadeia gatilhos que me deixam em alerta (de correr para as colinas). Parte da sociedade, trata o tema como mimimi ou frescura, e essa é a maior dificuldade em diminuir a frequência e aumento de casos, além de invalidar a necessidade de reeducar as mulheres sobre não aceitar tudo, incondicionalmente, em prol de ter um casamento e família. É um assunto delicado, que exige muito tato para opinar, e o que mais vejo e sinto, é ausência de empatia, principalmente entre mulheres.

Existem duas formas EXPLÍCITAS de abuso: o físico e o psicológico. Todo abuso físico é originado de abuso psicológico, mas nem todo abuso psicológico tem necessariamente a concretização do abuso físico, que é o ato da agressão (uso de força para coação e tentativa de homicídio).

Em relação às características do abusador, existe o homem de postura intimidadora sobre todos (o malandrão com ar perigoso), e o alecrim dourado: bom moço, cidadão exemplar, que a mulher teve a sorte de encontrar (segundo familiares alienados e amigos iludidos pela aparência). Não sei qual o pior tipo, mas no meu caso, eu tinha o “alecrim dourado”.

Vou levantar alguns questionamentos, que talvez, sejam evidências lógicas, sobre o motivo do abandono e negligência social que a vítima sofre por pessoas de fora.

Primeiro ponto: Qualquer vítima, tem um protocolo “simples” para seguir, diante de uma violência: se defender e se libertar do autor do abuso. Denunciar, separar, se afastar. Parece obvio né? Quem dera!

É claro que, olhando de fora, essa condição passiva e até mesmo desnorteada, da vítima diante da situação, causa sim revolta e indignação em terceiros. As poucas pessoas que se importam e tentam ajudar, desistem rápido, porque exige dela um radicalismo e o tal ato de coragem que é inviável para uma pessoa que teve a mente adoecida por ameaças e chantagens.

Segundo ponto: Por que o abusador precisa intimidar e coagir sua mulher? É uma incógnita, que nem todo mundo tem interesse em questionar. Para a geração mais velha, era comum ter pai agressivo, mãe dedicada exclusivamente ao lar e criação dos filhos. Crescer num lar com abusos, formam maridos abusadores e mulheres passivas de humilhações.
No entanto, somente a vítima é julgada por permanecer num relacionamento que se queixa estar ruim. Ou seja, me parece que o agressor é mais respeitado por ser como é, do que pressionado a buscar ajuda. “Precisa ver como foi a criação desse rapaz, coitado. Só pode ter sofrido abusos.”

Julgar o lado mais fraco pela a ausência de autodefesa é tão abusivo quanto. Achar que a mulher deve TOLERAR a “parte ruim do relacionamento”, quando ela tem “sorte de ter conforto e um homem que a ama”, é horrível. Como se fosse uma troca justa, seguindo o ditado de que “Nada é perfeito”.

O mais triste é ver as vítimas se culpando, por ter permitido chegar em tal situação. Todavia, a teia em que somos envolvidas é tão bem feita, que quando notamos os sinais de alerta de que há algo errado, já não sabemos o que é teia e o que é corpo. Talvez, seja esse o motivo da “vista grossa” social em relação aos abusos contra mulheres. Todo relacionamento tem parte ruim, crises e defeitos, mas poxa, não precisamos chegar num ponto de pensar tanto em tirar a própria vida né? (Contém ácida ironia).

Não posso deixar de mencionar uma condição muito comum em relacionamentos abusivos: síndrome de Estocolmo, que é o sentimento afetivo que a vítima sente pelo seu abusador, o que dificulta ainda mais seu psicológico para julgar que o relacionamento está muito fora da normalidade. Além de se sentir dividida entre o amor e o ódio, quando a mulher tem sentimentos pelo parceiro, picos de idas e voltas é muito comum. E cada vez que ela perdoa, baseado em promessas de mudança, a gravidade da violência vai tomando proporções cada vez maiores.

A violência doméstica é uma lavagem cerebral, que gera perda da autonomia, da identidade, e do senso de razão. Os traumas psicológicos se tornam armadilhas que perduram por anos, mesmo depois de ter conseguido se separar definitivamente do abusador. A mulher que sofre pressão psicológica por determinado tempo, pode ter traumas irreversíveis, caso não faça terapia posteriormente. Depois de se desvincular dessa relação, o tempo para reconquistar uma identidade saudável é intenso, além das dificuldades dessa mulher acreditar que existe outro tipo de relacionamento.

Eu mesma, levei treze anos para finalmente experimentar usar um biquíni pequeno na praia. E isso só aconteceu após 4 anos do término, agora, em 2021. Eu acreditava que expor meu bumbum era algo inadmissível e vergonhoso.
Demorei três anos, para fazer uma tatuagem de tamanho considerável, pois fui convencida de que era feio mulher tatuada. Fiz somente este ano, minha primeira viagem sozinha. E foi muito difícil, pensei em desistir várias vezes, conforme a data ia se aproximando. O medo de não conseguir me manter em segurança em outra cidade, de passar algum perrengue ao qual eu não saberia resolver ou lidar sozinha. Mas ao chegar, senti coisas novas e inexplicáveis. Era como se eu fosse a menina livre que eu nunca pude ser, por ter pulado etapas entrando num relacionamento ainda criança. Essa viagem, com amigas, foi um divisor de águas e uma resolução final de pendências do passado que ainda fazia parte da nova mulher que eu tinha me tornado.

Tudo aquilo que eu era proibida de ser e vestir, hoje tem grande importância na minha personalidade: unhas compridas, roupas curtas, estampas ousadas, esmaltes escuros, maquiagens chamativas, fotos em redes sociais, etc.
Eu sou a materialização da imagem que a tal pessoa abominava. Talvez, eu nem queira tanto usar tal coisa, mas o fato de saber que ele assiste, IMPOTENTE, essa minha IMPONÊNCIA, que ele tanto temia, é impagável. Talvez, eu ache isso divertido e exagere um pouco na afronta, afinal, tenho laços eternos com ele, por conta dos meus filhos. Mas saber que eu sou forte, dona de mim, corajosa, determinada, admirada, reconhecida, batalhadora, ambiciosa, e acima de tudo, FELIZ, me faz até querer agradecê-lo, por todo sofrimento, dor e escuridão, pois daquela menina inocente, sonhadora e pequena que ele destruiu, renasceu uma MULHER DOMINADORA, de si própria, realizadora próprias vontades, desejos, e totalmente despreocupada do incômodo que vou causar em pessoas que não suportam ver uma mulher dando a volta por cima, e sendo o que ela quer ser!

E pra finalizar, essa carta de uma mulher CORROMPIDA, um conselho para CADA LEITOR desse texto. A partir de hoje, entenda, que a mulher que sofre ameaças, agressões, privação do livre arbítrio, ela não precisa de UM SUPER HERÓI para salvá-la. Ela precisa REACREDITAR que ela é SUFICIENTEMENTE CAPAZ de SE SALVAR. Ela precisa que você a RELEMBRE, com carinho, o quanto ela é/era incrível, e o quanto ela SERÁ gigante, quando vencer esse mal na vida dela. Você, que QUER ajudar, PRECISA deixar sua moral exemplar de lado. Comparar suas conquistas e sua força, não vai servir como exemplo pra ela, muito pelo contrário, vai comprovar o quanto essa realidade é distante pela ótica dela. Aconselhamento sobre certo e errado não tem efeito positivo. Ela sabe o quanto o corpo dela dói, o quanto a cabeça dela grita e que existe sim, algo fora do lugar. O que ela não acredita é que HÁ uma força desconhecida dentro dela, que quando a encontrar, vai presenciar a maior revolução da vida dela.

LEMBRE-SE, a solução super fácil e simples pra você, é o maior medo e pânico para quem tem sua identidade (e alma (caso acredite em vampirismo)) roubada (s).

Como sempre, coloco minhas redes sociais a disposição para contato (@talisandradee), para quem deseja discrição na conversa. Além do canal de comentários aqui na própria coluna.

2 thoughts on “Carta Aberta de uma Mulher Corrompida – Parte 2

  1. Como eu sei o que é esses turbilhão de sentimentos.
    A Quatro anos venho sofrendo abuso psicológico… No começo pensava que era amor com ciúmes, mas com o passar do tempo eu comecei a não me conhecer mais….
    Aquela mulher forte , destemida, feliz , mãe, provedora do lar … Começou a decair, dividas acumulado, não tinha mais força para pensar em como eu sairia daquela situação.
    Os amigos ajudando a me separar, mas qdo eu menos esperava lá estava eu com ele novamente e passando por tudo novamente com maior intensidade.

    1. Dani, minha linda, primeiramente um abraço bem forte em você!
      O que posso te dizer: se mantenha firme. Aproveite cada segundo de coragem para se erguer e se afastar. Filhos não seguram relação. Se o parceiro é toxico e abusivo, mesmo tendo filhos com ele, se proteja sempre.
      Eu sei que você vai superar isso. Mande noticias suas no meu email ou instagram? (@talisadrandee | autoratalitandrade@gmail.com)
      Beijão!! S2

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