A crise de saúde mental que se alastrou após a pandemia de COVID-19 no Brasil vai além da ansiedade e da depressão. O país ocupa a terceira pior posição entre 64 países avaliados, ficando 11 pontos abaixo da média global.
De acordo com dados do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) os casos de ansiedade e depressão aumentaram consideravelmente após a pandemia. O número de óbitos por lesões autoprovocadas dobrou nos últimos 20 anos, passando de 7 mil para 14 mil. A duplicação neste número de mortes no pós-pandemia levanta preocupações com a condição psicológica dos brasileiros e traz a luz, a discussão sobre como anda nossa saúde mental.
Antes mesmo da pandemia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já alertava que a ansiedade afetava 18,6 milhões de brasileiros, e os transtornos mentais eram responsáveis por mais de um terço das incapacitações nas Américas, ou seja Brasil na frente.
A saúde mental é influenciada por fatores biológicos, psicológicos e sociais dos sujeitos. Além de estresse, genética, nutrição, infecções perinatais e exposição a perigos ambientais também são fatores que contribuem para os transtornos mentais.
Quando falamos em saúde mental, devemos considerar seus três que pilares são: prevenção, percepção e tratamento. A prevenção em saúde mental envolve desde uma boa alimentação, a prática de atividade física e o acompanhamento com um psicoterapeuta, o que na maioria das vezes, a regra se torna exceção. Já a percepção é o processo cognitivo que permite interpretar o ambiente com os estímulos que recebemos através dos órgãos sensoriais e identificar os sintomas dados pelo corpo e mente como irritabilidade, insônia e agressividade, muitas vezes, a correria do dia a dia nos faz ignorar sinais que indicam que nossa mente precisa de uma pausa. Quanto ao tratamento, incluem psicoterapia individual, de grupo ou familiar e conjugal, técnicas de terapia comportamental e psicanálise. Quando necessário, uso de medicamentos como psicotrópicos como ansiolíticos, antidepressivos, estabilizadores de humor e anticonvulsivantes por exemplo.
Desde 2023, o fortalecimento da política de saúde mental tem sido uma das ações prioritárias do Ministério da Saúde. Com investimento de mais de R$ 200 milhões, a pasta ampliou o orçamento da Rede de Atenção Psicossocial (Raps), no entanto, nem todos têm acesso a essa política pública de atendimento.
Dados recentes revelam um crescimento preocupante no diagnóstico de transtornos como autismo (TEA), TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade e Transtorno Opositivo Desafiador (TOD), um fenômeno que reflete tanto avanços na conscientização quanto os desafios de uma sociedade sob estresse crônico.
O que explica esse crescimento?
A combinação de isolamento social, pressão educacional e sobrecarga do sistema de saúde criou um cenário propício para que sintomas antes ignorados viessem à tona. Durante a pandemia, famílias passaram a observar de perto comportamentos como dificuldades de interação, hiperatividade ou desafio à autoridade – sinais clássicos desses transtornos. Escolas, que antes ajudavam a identificar problemas, ficaram off-line por meses, retardando diagnósticos que só explodiram após o retorno às aulas.
Não se trata apenas de maior atenção: a vulnerabilidade socioeconômica agravada pela crise econômica também desempenhou um papel. Conflitos familiares, medo da escassez e a falta de acesso a redes de apoio são terreno fértil para o TOD, marcado por comportamentos hostis. Já o ensino remoto expôs déficits de concentração ligados ao TDAH, enquanto a telemedicina limitou avaliações precisas para o autismo, gerando uma “onda” de diagnósticos represados após a pandemia.
Progresso ou risco?
O aumento da conscientização é um avanço, mas especialistas alertam para armadilhas. Em meio à pressa por respostas, sintomas transitórios – como ansiedade infantil ou estresse pós-traumático, podem ser confundidos com transtornos crônicos, levando a diagnósticos precipitados. Além disso, a falta de profissionais capacitados e a desigualdade regional distorcem a realidade: enquanto nas grandes cidades há busca por avaliações, nas periferias muitos casos seguem invisíveis e completo descaso.
O caminho: entre a ciência e a empatia
Para evitar que essa epidemia de diagnósticos se torne uma crise paralela, é urgente:
1.Integrar escolas e postos de saúde na identificação precoce de sinais, com capacitação de professores.
2. Ampliar o acesso a equipes multidisciplinares, especialmente em regiões carentes.
3. Combater a medicalização excessiva, garantindo que avaliações sejam rigorosas e contextualizadas.
4. Apoiar famílias com políticas que reduzam estressores ambientais, como mediação de conflitos e auxílio financeiro.
Alerta às Autoridades e à Sociedade
Transtornos como TEA, TDAH e TOD não são modismos: são condições reais que exigem cuidado especializado. Mas seu aumento também é um sintoma de um mundo que sobrecarrega crianças e adolescentes com demandas incompatíveis com seu desenvolvimento. Enquanto o Brasil não equilibrar acesso a tratamentos e pressão social, seguiremos falhando com uma geração que clama por apoio – e não por rótulos. Infelizmente!