Protestos nas plataformas e gritos de “Ôôô, pro Grajaú eu vou!”, seguidos pela rejeição ao pedido de seguranças para que desembarcassem do trem – registrados em vídeos que circulam pelas redes sociais –, revelam o sentimento de angústia de passageiros das linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda, da ViaMobilidade, que têm amargado o aumento expressivo no número de falhas desde que a concessionária assumiu a operação das linhas, em 27 de janeiro.
O maior intervalo entre trens, a velocidade reduzida e o tempo de paradas prolongado são os resultados mais comuns desses problemas. À população de 1,1 milhão de pessoas que usam as duas linhas por dia, além dos vagões abarrotados, isso significa viagens consideravelmente mais longas, portanto horas perdidas no transporte público semana a semana.
Nos dois meses a partir do início da concessão, segundo a própria ViaMobilidade, foram 30 falhas relevantes para a circulação dos trens. A quantidade é consideravelmente superior à registrada no mesmo período do ano passado – e ainda assim contestada por sindicatos representantes dos trabalhadores sobre trilhos, que alegam que os problemas são ainda mais frequentes.
Acerca da alta registrada, a concessionária afirma que possui um diagnóstico da atual estrutura das linhas, e que “já deu início ao plano de ação de antecipação de investimentos”.
A efeito de comparação, entre 27 de janeiro e 27 de março de 2021, sob a gestão da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), foram oito falhas nas duas linhas, segundo o Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias da Zona Central do Brasil.
Considerados os dados do sindicato e da concessionária para os dois períodos, que seguem o mesmo critério para a documentação dessas falhas, o aumento este ano foi de 275%.
Em mais de dois meses desde a concessão, os problemas variaram entre falhas elétricas, falhas em equipamentos, nos freios, nas vias, princípios de incêndio, furtos de cabo de energia e até uma colisão de um trem contra a plataforma na estação Júlio Prestes, quando três passageiros foram encaminhados ao hospital, mas ninguém se feriu.
Para Sergio Ejzenberg, engenheiro e mestre em Transportes pela Escola Politécnica da USP, e perito em investigação de acidentes, somente um estudo acerca dessas falhas pode revelar as causas, que podem decorrer de uma série de fatores.
Entre eles, cita o professor, o treinamento insuficiente, jornadas exaustivas de trabalho, manutenção inadequada dos equipamentos e a inexperiência na gestão dos trens metropolitanos são motivos possíveis.
“Não existe justificativa ou desculpa para um aumento na frequência de falhas. O aumento da ocorrência de falhas é inaceitável. As boas práticas anteriormente vigentes devem ser retomadas o quanto antes para garantir o mesmo nível de operação que era mantido pela CPTM”, atesta Ejzenberg.
O engenheiro pondera que a CPTM deve colaborar com a ViaMobilidade “para estancar o problema imediatamente”.
Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores das Empresas Ferroviárias da Zona Sorocabana, José Claudinei Messias, a falta de tempo de treinamento é a razão principal para o acúmulo de falhas.
Os treinamentos na CPTM duram, em geral, entre seis, oito e, no caso dos maquinistas, até dez meses.
Porém, desde que a ViaMobilidade assumiu as duas linhas, segundo Messias, o treinamento dos novos funcionários durou quatro meses, no máximo. “Não é culpa dos funcionários, mas uma falha do edital de concessão”, afirma.
A
carga horária também pode influenciar na desatenção dos funcionários, que, em alguns casos, trabalham até 12 horas diárias, em três dias por semana, com folga em dois; na CPTM, são oito horas por dia. “Em que pese alguns funcionários apoiem, essa escala é extenuante para eles, uma carga extremamente prejudicial”, pondera o presidente do sindicato.
Ele argumenta que a função de maquinista dos trens metropolitanos é diferente de como ocorre no Metrô, e, uma vez que os carros passam por outras cidades, pontes, viadutos e passagens de nível, exige atenção constante.
As 12 horas diárias em uma atividade de tensão causa cansaço e gera estresse excessivo aos trabalhadores, argumenta o sindicalista.